Dramaturgia
no Rádio:
formatos
e programas narrativos em áudio
Por Marcia Carvalho
Lá
vem história...
Em
poucas e rápidas palavras podemos definir dramaturgia como uma série de cenas e
sequências, com diálogos e descrições que contam uma estória. Quando se fala em
dramaturgia no rádio sempre são eleitos radioteatros e radionovelas de outros
tempos. Parece uma viagem pela História da Comunicação: passamos pela Rádio
Nacional, a Mayrink Veiga e Record, entre outras, para lembrar o sucesso e a
audiência deste tipo de produção que adormece no passado. Por que não se conta
mais estórias no rádio? Como pensar em narrar histórias e estórias em um veículo
que não mostra imagens, mas sim que as sugere para serem criadas na mente de
seus receptores por meio da combinação e da mixagem de vários sons? Pensando na
produção para Rádio, este artigo pretende investigar as possibilidades de atuação
do profissional e do estudante que não trabalha com jornalismo e que busca uma
pitada de ousadia no trabalho com a linguagem e estilo desta mídia por meio de
práticas de estruturas narrativas em áudio.
Os
formatos da dramaturgia radiofônica
A
ficção no rádio ganhou destaque com a radionovela. Formato que
aposta em uma história
folhetinesca dividida em capítulos de cerca de 52 minutos. As novelas são
paixão nacional em horário nobre na TV, e por isso, dificilmente resgatariam o
prestígio que um dia já despertaram nos ouvintes agora acostumados às imagens
da telinha. Outro formato esquecido é o do radioteatro que traz adaptações
de peças de teatro para o rádio com começo, meio e fim em uma única edição. Podemos
também lembrar dos seriados
ou minisséries,
com duração de 52 ou 26 minutos.
Estes
formatos são também bastante adorados em suas versões como sitcom para a TV a
cabo ou nas minisséries especiais da TV Globo (canal aberto). Os seriados se
definem como estórias que começam e terminam no mesmo capítulo, com personagens
fixos, e periodicidade semanal. O seriado apresenta tramas independentes umas
das outras, em que cada episódio tem cenários e argumentos novos e pode ser
acompanhado pelo ouvinte sem a necessidade de se ter ouvido o anterior. Para
isso, o episódio número um da série precisa apresentar os personagens e a
“trama maior” que dará sentido total a cada episódio. Já as minisséries se
assemelham às novelas, mas com uma manutenção do conflito principal em suspenso
em um menor número de capítulos.
A
estrutura narrativa na produção radiofônica que mais resistiu ao tempo foi a de
programas
ou programetes humorísticos. Os humoristas
e comediantes utilizam a dramaturgia para criar tipos cômicos e brincadeiras,
contar piadas e entreter o público. Um dos programas humorísticos de maior
sucesso no rádio é sem dúvida o “Pânico”, já com mais de dez anos no ar e com
versão televisiva na Rede TV!, sempre com muito escracho e grosseria. Também
podemos notar a produção de programetes de humor voltados para o público jovem
que ouve as emissoras FM’s. São pequenos esquetes de no máximo três minutos de
duração, veiculados ao longo da programação de uma emissora, tal como o
engraçado chefe “Dr. Pimpolho”, criado por Felipe Xavier e veiculado na Rede
Mix FM. O texto narrativo também encontrou refúgio na criação
publicitária para rádio que continua a utilizar a ficção por meio da fala de
atores apoiada por trilha musical, vinhetas, efeitos sonoros devidamente
mixados e editados para criar cenários e situações como suporte de uma intenção
de venda. Sabemos que o rádio reserva um bom espaço para a divulgação e venda
de produtos e serviços que se tornaram notoriamente a própria subsistência
deste meio de comunicação. Para a programação define-se como gênero
publicitário à produção predominante de esportes ou spots, os jingles, os
vergonhosos testemunhais e outras peças promocionais e assinaturas de
patrocínio.
Sempre
definindo a relação de dependência entre o conteúdo e o formato do anúncio a
partir da escolha de uma estratégia publicitária, com a definição do objetivo
do anunciante e do teor do anúncio no planejamento de mídia e na produção da
mensagem criativa. O texto para roteiros de peças publicitárias é
predominantemente descritivo, feito para recuperar sonoramente o produto ou uma
idéia. As técnicas para uma boa redação apostam na redundância, no poder de sugestão,
no ritmo da edição da sonoplastia com seus efeitos/ ruídos, o uso do silêncio e
trilhas musicais além da performance da voz. Entretanto, a criação publicitária
também se aventura pelo texto narrativo para construir uma estória sedutora,
personagens carismáticos e, principalmente, se apoiar no humor. Outros
programas também deveriam lançar pequenos trechos ficcionais em sua programação,
tais como a revista
radiofônica, o
documentário, os programas
infantis, ou
até mesmo a crônica, já que o cronista
é o narrador da história. Permitindo com isso, um despertar de novas propostas
para revitalizar a criação dramatúrgica no rádio brasileiro, com diferentes formas
e para diferentes públicos. Além disso, poderíamos pensar em ultrapassar o dial
do Rádio, e continuar a contar e ouvir estórias para o iPod, o disco, a
Internet, ou da maneira mais compacta que quisermos...
Das
páginas de um livro para as ondas do Rádio: propostas para novas experiências
com adaptações literárias em áudio
Um
exemplo experimental para a prática da produção narrativa em áudio é o trabalho
com
adaptações
literárias elegendo pequenos contos ou peças de teatro para criar peças
unitárias com começo, meio e fim. Esta experiência deve levar em consideração a
seleção de textos com narrativas pouco extensas, concisas e que apresentem
unidade dramática, concentrando a ação num único ponto de interesse. Este tipo
de produção pode ser considerado um ótimo exercício de roteirização, produção,
gravação e edição. Dado que a partir de um texto original é possível aplicar a
correta diagramação e emprego de termos e conceitos padrões para a produção em áudio/
rádio, colocando na prática o estudo da linguagem do rádio. Além disso, é um
desafio estimulante para a prática da redação, da pesquisa musical e da
sonoplastia direcionadas para narrar uma estória que já existe, e que,
portanto, carrega internamente uma série de critérios norteadores para
realização de uma avaliação do resultado alcançado.
O
primeiro passo para a criação de uma adaptação literária para áudio / rádio é
escolher
um
texto literário e estudá-lo. É preciso entender a sua narração e identificar as
categorias descritivas de espaço, tempo, ação e personagens. Para isso, são
necessárias uma leitura atenta do texto de origem e a realização de uma
interpretação da obra literária que se deseja adaptar. O roteiro será um guia
de ações para a produção da adaptação literária radiofônica. É com a confecção
do roteiro que podemos desenvolver métodos de tradução da obra literária
original para a produção em áudio. Afinal de contas, adaptar significa transpor
de um meio para outro, e o roteiro nada mais é do que a organização de um
projeto de adaptação de uma estória escrita para uma estória contada por vozes,
músicas, efeitos, ruídos e silêncios. Assim, o roteiro é a principal ferramenta
para construir, organizar e estruturar a estória que se quer contar.
O
roteirista que se dedica a uma adaptação literária para o rádio deve decidir o
quanto seguirá fiel a obra original, e quais são as suas necessidades
dramáticas que o permitirão a partir do texto original criar uma adaptação
livre. No entanto, diante de uma lauda em branco a pergunta é uma só: Como vou
narrar o que está definido no texto escrito? Uma resposta está justamente no
estudo da obra original. Narrar é expor, contar, relatar, referir, dizer. O
que? O tempo, o espaço, e os personagens com suas ações e falas. Mas é preciso
narrar com sons: com a escolha de músicas de cena, elaboração de diálogos,
fabricação de paisagens sonoras, escolha de efeitos, ruídos e vozes. E é no
roteiro que se indica a interpretação e a sonoplastia desejada para o ato de
contar a estória escolhida.
A
maneira mais simples de se contar uma estória é dividi-la em três partes: a apresentação,
o desenvolvimento e o desenlace. Assim, pode-se explicar a situação a partir da
apresentação dos personagens, que não precisa ser feita necessariamente com a
voz de um narrador, mas sim por meio das ações e diálogos. Daí é necessário
introduzir um conflito, que nada mais é do que uma tensão produzida pela
presença simultânea de motivos contraditórios. O conflito constitui a essência
do drama e é caracterizado pelo choque de interesses e pela contradição,
podendo confrontar o bem e o mal, a verdade e a mentira, o poder e a submissão,
o rico e o pobre, o justo e o injusto, o proibido e o aprovado, o conhecido e o
desconhecido, etc. Em seguida, passa-se a desenvolver a ação com progressão
dramática. E por fim, resolver o conflito.
O
ideal é que se busque criar uma gradação ascendente do interesse do ouvinte que
irá chegar ao clímax principal da estória, que é o momento em que o impasse
causado pelo conflito é solucionado. O desfecho do conflito é caracterizado
pelo auge da tensão, em que “algo se faz” ou algo “acontece”. Trata-se do
momento no qual a expectativa por uma resolução torna-se praticamente
insuportável. Para conseguir realizar esta façanha, é importante construir o
cenário com a definição da época e do lugar. Elaborar paisagens sonoras que
caracterizem ambientes reais, abstratos ou imaginários, como as ruas de uma
cidade do futuro ou o interior de uma casa no meio da floresta.
Pesquisar
músicas que podem dialogar com as cenas ou situações, ou que possam ajudar a caracterizar
os personagens, a época da estória, o seu cenário, e até mesmo contribuir na confecção
do estilo da produção. É preciso brincar com efeitos e contrastes sonoros para
sugerir ações, passagens de tempo e movimentos dos personagens devidamente
caracterizados com a escolha de atores. A seleção dos atores é realizada através
das seleções de vozes que devem levar em conta timbres, tons, e a capacidade de
uma boa performance da voz com interpretação do texto, emprego de sotaques e
marcas vocais. No estúdio, o momento crucial para dar vida a sua adaptação é a
gravação das cenas, preferencialmente com os atores de pé. Os atores não devem
ler o roteiro, mas sim interpretá-lo.
Por
isso, é preciso reforçar a atenção na hora de posicionar os microfones e
acompanhar com rigor a captação das falas. Um bom ensaio pode ser a solução
para sintonizar a relação do diretor com os intérpretes ou atores.Já no
computador se inicia a fase da busca por um brilho na produção. É na edição que
se realiza a montagem das falas e diálogos, ações e sonoplastia. Tudo o que foi
gravado no estúdio é mixado com músicas, efeitos e ruídos adicionais. Trata-se
da etapa de maior liberdade para se aventurar com a combinação dos sons: montar
e desmontar sonoridades, descobrir, criar,organizar, mixar, juntar, separar
critérios sonoros para contar uma estória com significado e encantamento.
Mas quem é que
vai querer exibir isto?
Se
a arte de narrar em áudio se transformou em opção cara e rara foi por responsabilidade
do predomínio da notícia e da difusão musical barata que se configuram como
mercadorias ligeiras. Mas será mesmo que a dramaturgia não tem espaço nas
grades de programação radiofônica dos dias de hoje? O fato é que adoramos um
drama, um suspense, uma comédia, uma lenda, um mito ou uma estória de
carochinha...E estas estórias podem estar em um livro, nos palcos ou no teatro
de rua, na tela grande do cinema ou na pequena da televisão. Então, será que ainda
gostamos de ouvir uma estória nas ondas do rádio?
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Marcia
Carvalho é radialista, doutoranda e pesquisadora sobre música aplicada à
dramaturgia
audiovisual, professora universitária, e diretora de um programa de TV.
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