segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Resenha do livro: Brincar na pré-escola de Gisela Wajskop



O livro “Brincar na pré-escola”, traz as observações da autora sobre a brincadeira infantil, tendo como campo de pesquisa uma escola da rede pública da cidade de São Paulo. A obra é composta por seis capítulos nos quais Gisela descreve o processo pelo qual elaborou sua dissertação de mestrado apresentada à PUC de São Paulo no ano de 1990.
            A obra citada tem como objetivo compreender a origem e a natureza da brincadeira infantil e como esta ocorre nas pré-escolas. 
            A autora explicita suas inquietações quanto ao espaço que a escola reserva ao brincar, de que forma o professor intervem na brincadeira infantil e como as crianças brincam. Concebe a brincadeira como um fator histórico cultural e, a partir do pensamento de Vygotsky, aprofunda sua análise sócio-histórica da brincadeira, entendida como atividade social da criança, cuja natureza e origem são elementos fundamentais para a construção de sua personalidade e compreensão da realidade na qual está inserida.
            Aspectos históricos do brincar, bem como uma concepção de brincadeira como fuga ou recreação atrelada à imagem da infância desprovida de um comportamento infantil espontâneo que pudesse significar algum valor em si, são temas abordados no 2º capítulo pela autora. No decorrer do mesmo, Gisela aponta as contribuições do pensamento de Fröebel, Montessori e Decroly para a superação da concepção tradicionalista de ensino, inaugurando um período histórico onde, segundo ela, as crianças passaram a ser respeitadas e compreendidas enquanto seres ativos.
            Ainda neste capítulo, Wajskop utiliza o termo “didatizar a brincadeira” para explicar que, em algumas prática docentes, a brincadeira é utilizada de forma descontextualizada dos processos cognitivos e históricos experienciados pelas crianças, tornando-se materiais didáticos como fins em si mesmos.
            Para definir a brincadeira, a autora cita Brougère, “a brincadeira é uma mutação de sentidos da realidade: nela, as coisas transformam-se em outras. É um espaço à margem da vida cotidiana que obedece as regras criadas pelas circunstâncias. Nela, os objetos podem apresentar-se com significado diferente daquele que possuem normalmente”. (1989 a:35 apud Wajskop, p. 29, 2005).
            Para Wajskop, a garantia do espaço da brincadeira na pré-escola é a garantia de uma possibilidade de educação da criança em uma perspectiva criadora, voluntária e consciente. Ao brincarem, as crianças vão construindo a consciência da realidade, ao mesmo tempo em que já vivem uma possibilidade de modificá-la. (p.33). A brincadeira é uma situação privilegiada de aprendizagem infantil onde o desenvolvimento pode alcançar níveis mais complexos, exatamente pela possibilidade de interação entre os pares em uma situação imaginária e pela negociação de regras de convivência e de conteúdos temáticos.
            A autora descreve minuciosamente o estudo de uma classe de pré-escola que funciona no interior de uma escola estadual de 1º e 2º graus, bem como as atividades desenvolvidas pelas crianças e o material de análise por ela obtido.
            Para atingir o objetivo de compreender o espaço que a instituição educacional tem reservado à brincadeira infantil Wajskop optou por uma pesquisa qualitativa, que garantisse um contato direto e prolongado com o cotidiano dos alunos, pais, professores e funcionários.
            No 4º capítulo, a autora cita um momento único de subjetividade, no qual, muitas vezes, conceitos pré-estabelecidos impedem uma análise racional e objetiva dos dados.

“Neste percurso, surpeendi-me fazendo análises preconceituosas e apressadas e nesses momentos procurei rever-me; descobri o lado humano e contraditório da professora, compreendendo e respeitando suas dificuldades. Ao mesmo tempo, refiz hipóteses, reelaborei a teoria, relativizando os pressupostos iniciais”.
                                            (WAJSKOP, 2005. p.44)


            As observações da autora trazem à tona questões como a prática individual e solitária dos professores, que segundo ela “evidencia um círculo vicioso criado na estrutura e organização escolar na qual a escola não fornece condições de trabalho que garantam a socialização de informações e que os profissionais não se sentem com força suficiente para quebrar esse esquema”. (p.50)
            A partir da análise das ações docentes, Wajskop aponta que os docentes entendem a brincadeira como uma característica biológica infantil e que se desenvolvem naturalmente, porém, suas ações dizem o contrário. Segundo a autora, fica evidente que, apesar de acreditar, como ilusão pedagógica, na importância da brincadeira para o desenvolvimento de seus alunos, a professora não interferia pedagogicamente diante deles. (p.58)
            A autora observa o controle do professor na maioria das situações tidas como “de aprendizagens”, cita desde à distribuição de atividades até a interferência e ruptura na fala das crianças, estabelecendo, também, um controle e organização do tempo como elemento estruturante da situação escolar.
            Wajskop tece críticas à forma como o silêncio, a organização infantil na utilização do material e o cumprimento dos prazos colocados pela professora, transformam o conteúdo das atividades e omitem, à percepção docente, dúvidas e pesquisas ocorridas durante as interações dos alunos.
            Quanto à brincadeira infantil, neste capítulo a autora chama a atenção para o fato da brincadeira dos meninos ser mais corpora e das meninas, mais verbal chamando a atenção para a atitude da professora mediante essas brincadeiras, elogiando e incentivando as brincadeiras das meninas que, segundo Gisela revelavam um autocontrole esperado socialmente, e reprimindo a dos meninos.
            A autora tece críticas à concepção compensatória de ensino e aprendizagem que prioriza, no cotidiano escolar, atividades dirigidas e gráficas como conteúdos do trabalho docente.  Segundo Wajskop, a concepção inatista e biológica da brincadeira cria uma dicotomia entre brincar e trabalho, sendo que este último aparece como treino de habilidades para o futuro, em uma dimensão de eficácia e produtividade.
            Em suas observações, ela cita a forma como a professora orienta a atividade proposta, valendo-se da ludicidade para alienar e iludir a realidade, falseando-a como instrumento didático. Para a autora o problema que se coloca com relação a esse tipo de encaminhamento pedagógico e de utilização da brincadeira infantil é o grau de aprendizagem real que resulta para as crianças. Dessa forma, as necessidades reais de aquisição de conhecimentos pelas crianças não definem os conteúdos dos exercícios, estes últimos é que agem como bloqueio a uma possível busca de conhecimento pelas crianças. (p. 84/85)
            As constatações da autora mediante as atividades foi que a escola, através da ação docente, não garante tempo nem espaço para que se criem situações imaginárias para o desenvolvimento do pensamento abstrato. Para ela, a prática pedagógica rotinizada, ritualizada, repetitiva e cerceadora da criação infantil demonstra as necessidades de compreensão, controle e elaboração de conhecimentos sociais por parte das crianças que utilizam a brincadeira como forma de ação na realidade. (p. 92 e 95)
            Para a autora, na escola, a riqueza da imaginação infantil sofre o obstáculo dos limites da professora e da situação na qual está inserida. (p.102)
            A obra traz o confronto das hipóteses com as quais a autora iniciou sua pesquisa e a realidade com que se deparou. A idéia de brincadeira com a qual a autora iniciou sua pesquisa apresenta características          de aleatoriedade e indeterminação com as quais, segundo ela, a instituição não sabe trabalhar. Para Wajskop, o caráter de indeterminação põe em risco o papel do professor, que controla os passos e as respostas das crianças diante das tarefas propostas.
            Quanto ao espaço a autora faz observações de sua amplitude e das possibilidades de estímulo que ele oferece, porém, tece críticas ao uso restrito desse espaço impossibilitando as atividades lúdicas. Para ela, a carência da escola e as limitações do professor em compartilhar com seus alunos sua curiosidade e desejos transformaram a didática e as propostas pedagógicas em elementos de restrição e bloqueio para o desenvolvimento infantil. (p.111)
            De acordo com Wajskop, a brincadeira deve ocupar um espaço central na educação infantil, sendo o professor figura fundamental para que isso aconteça, partilhando das brincadeiras das crianças, pois através das ações do professor, a criança poderá aceder às culturas e modos de vida adultos de forma criativa, social e partilhada. Estará, ainda, transmitindo valores e uma imagem da cultura como produção e não apenas consumo.
            No entanto, não há de se culpar o professor por suas atitudes, pois para Wajskop, tanto professores quanto crianças encontram-se emaranhados na teia didática construída. Ela, vítima das circunstâncias, sinalizando socorro para sair da solidão; os alunos resistindo como podem às estruturas cotidianas.






4 comentários:

Postagem em destaque

Projeto Viajando nas letras

               https://www.letras.mus.br/turma-da-monica/fotos.html#268434   Projeto Viajando nas letras Objetivo Geral: Popularizar o livro...