Boa tarde queridos leitores
Por motivos alheios a minha vontade a postagem de sexta - feira será impreterivelmente postada hoje, sábado. Desde já agradeço a compreenssão.
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Pesquisar para aprender
Educador espanhol explica como trabalhar a aprendizagem utilizando projetos.
Cristiane Marangon
NOVA ESCOLA – Como surgiu seu trabalho com projetos?
Fernando Hernández - Tudo começou em 1982, quando estava
trabalhando no Instituto de Educação da Universidade de Barcelona e uma colega
me apresentou a um grupo de mestres que lecionavam para crianças entre oito e
dez anos de idade. Eles tinham uma dúvida que era saber se a escola estava
ensinando a estabelecer relações, ou seja, a globalizar. Trabalhei com toda a
escola durante cinco anos e, como resposta a essa inquietação, decidimos
organizar o currículo de outra maneira. Por pesquisa de projetos de trabalho.
NE - Qual a diferença entre
projetos de trabalho e pedagogia de projetos?
Hernández – A diferença fundamental é, em primeiro lugar, o
contexto histórico. A pedagogia de projetos surge nos anos 1920 e projeto de
trabalho surge nos anos 1980. Além disso, os princípios são diferentes. A
pedagogia de projetos trabalhava um modelo fordista, que preparava as crianças
apenas para o trabalho em uma fábrica, sem incorporar aspectos da realidade
cotidiana dentro da escola. Os projetos de trabalho tentam uma aproximação da
escola com o aluno e se vinculam muito à pesquisa sobre algo emergente. Eu não
digo que uma coisa é melhor que outra e sim que são diferentes. É importante
que isso fique claro.
NE – O professor que está em
sala de aula lê a teoria, escuta em congressos e encontros e não sabe como
fazer. Embora não exista uma receita, quais são os elementos principais de um
projeto?
Hernández – Antes de falar sobre isso, há uma coisa muito
importante. O trabalho do docente é solitário e uma das coisas que aprendi
nessa experiência foi que a gente tem de compartilhar. Quando comecei a
trabalhar com projetos nas escolas e surgia uma questão emergente em sala de
aula, esse assunto pertencia à escola e não se restringia a um único educador.
Eu me lembro de estar na sala dos professores, na hora do café, vendo os
docentes discutindo uma proposta, expondo idéias e sugestões e, dessa maneira,
todo mundo se envolvia no processo. O professor nunca estava sozinho.
NE – O professor se comporta assim por um problema de formação?
Hernández – Não, por um problema de postura mesmo. Por exemplo, se
eu não sei alguma coisa, devo perguntar a você para que nós possamos encontrar
respostas. O professor trabalha em uma organização que deve fazer trocas e não
é só do educador para a sua turma e sim com toda a escola. Essa é uma mudança
importante e fundamental.
NE – E quantos aos passos necessários para desenvolver um projeto?
Hernández – Para mim há uma série de condições e não uma série de
passos. O livro “Organização do Currículo por Meio de Projetos” fala em passos
porque no momento em que foi escrito era importante abordar o tema dessa
maneira. Hoje, penso que é uma questão de opção educativa. Em primeiro lugar, é
necessário que se tenha um problema para iniciar uma pesquisa. Pode ser sobre
uma inquietação ou sobre uma posição a respeito do mundo. A partir daí, é
importante trabalhar as maneiras de olhar o mundo que são diversas. Mas não
interessa só localizá-las e sim entender o significado delas. O resultado é que
se constrói uma situação de aprendizagem em que os próprios estudantes começam
a participar do processo de criação, pois buscam resposta às suas dúvidas. Isso
é o projeto de trabalho.
NE – Esses problemas devem ser apontados por quem? Professores ou
alunos?
Hernández – Isso é acidental. O
docente tem a capacidade de escutar o que está acontecendo dentro e fora da
sala de aula, mas o problema pode sair de uma questão que as crianças levem
para a escola ou ser um tema emergente na imprensa. O importante é fazer algo
que desperte o interesse deles e nunca o que eles gostem. Se fosse o caso,
bastava colocar uma televisão com desenhos animados na sala de aula.
NE - Um projeto didático tem de
ser interdisciplinar ou o professor pode focar uma única disciplina?
Hernández – Se o docente tem uma concepção disciplinar e está ensinando
Matemática, por exemplo, ele pode ensinar isso como um projeto. Pode também
ensinar Língua Portuguesa. Projeto de trabalho não é uma fórmula e sim uma
concepção de educação. O que temos de questionar é por que ensinamos essas
disciplinas. Por que, dos 6 mil campos de estudos que existem, ensinamos apenas
oito? Por que não ensinamos Antropologia, Cosmologia, Sociologia, Economia?
Ensinamos as mesmas desde o final do século 19. Hoje sabemos que 80% das coisas
que aprendemos na escola não nos servem. Não dão sentido ao mundo em que
vivemos, não nos disciplinam, não nos socializam. Quando eu morava aqui no
Brasil, fiz uma organização do currículo a partir de 12 problemas. Não me
preocupei com disciplinas, pensei apenas nos problemas. Vida, morte, ser humano,
cosmos, origem da vida, são alguns deles.
NE - É possível ensinar tudo por meio de projetos?
Hernández – Não é possível ensinar tudo por meio de projetos porque
há muitas maneiras de aprender. Projeto é uma concepção de como se trabalha a
partir de pesquisa. É bom e é necessário que os estudantes se encontrem com
diferentes situações para aprender. Todas as coisas que se podem ensinar por
meio de projetos começam de uma dúvida inicial. Nem tudo pode ser ensinado
mediante projetos, mas tudo pode se ensinar como um projeto.
NE –Por que existe essa
preocupação em reformar a escola? Tem a ver com o excesso de informações do
mundo moderno?
Hernández – A escola, como toda instituição social, tem de dialogar
com as coisas que estão acontecendo. O mundo atual não é igual àquele de quando
nós ou nossos pais freqüentaram a escola, portando os processos de globalização
da informação e comunicação implicam que a escola reflita sobre sua função e
seus objetivos. A escola tem de ser uma instituição que pensa constantemente
nos saberes do passado que precisam ser recuperados, resgatados e conservados,
além de agregar o presente.
NE - O senhor tem alguma sugestão sobre as reformas educacionais
brasileiras?
Hernández – Há reformas que são pensadas fora da prática. Um
elemento importante são as crianças. Elas nunca estão implicadas nos processos
de reforma. Muita reforma fracassa por causa disso. Hoje há muitos informes e
reportagens sobre as direções da educação. Na minha opinião, a prioridade é a
reforma estrutural e o Brasil tem uma grande vantagem em relação a outros
países que é a possibilidade dos municípios desenvolver sua própria reforma.
Isso é muito interessante.
NE – Na introdução do seu livro
“Transgressão e Mudança na Educação”, o senhor afirma
que não é possível recriar a escola se não se modificam o reconhecimento e as
condições de trabalho dos professores. Esse é o primeiro passo para começar uma
reforma no ensino? Melhores salários, recompensas etc.?
Hernández – Um educador que tem de trabalhar em três turnos não tem
tempo para se formar, se comunicar com os colegas, de preparar uma aula, de se
cuidar, enfim, se as pessoas não têm condições de desenvolver um trabalho
diferente, não dá para mudar a educação. Não podemos colocar todos os problemas
da escola sobre os docentes. Temos que distribuir os pesos.
NE – O senhor acha que os projetos são melhor desenvolvidos no sistema
de ciclos?
Hernández – Penso que não é essa a questão. Esse é um outro debate,
outra discussão. O problema, aqui no Brasil, é que se leva em conta que não há
a reprovação no sistema de ciclos. Não é nada disso. A ideia principal é que o
aluno, no sistema de ciclos, não tem sua aprendizagem fechada, ou seja, para
adquirir certos conhecimentos ele pode necessitar ou não de
mais tempo. O que acontece é que a escola está muito fechada na ideia de
que tem de trabalhar idade e série. Essa é uma concepção do século 17. A ideia
de ciclo é muito mais dinâmica e aberta. Eu acho que a reação aos ciclos no
Brasil é mais por um problema de compreensão. Uma criança que não é avaliada
positivamente dentro de uma série não precisa ser necessariamente reprovada. Os
ciclos são apenas uma estrutura de aprendizagem.
NE – E como fazer com uma criança que chega ao final dos ciclos sem
saber ler?
Hernández – Isso não é um problema dos ciclos e sim da escola. Se
durante quatro ou cinco anos o professor não ensina a ler, a responsável por
isso é a escola. A reprovação não é um fracasso da criança e sim da escola.
NE - É possível vislumbrar uma
visão positiva da educação do Brasil com a nossa realidade?
Hernández – O Brasil é um dos países do mundo que eu conheço em que
os educadores vibram mais. Eles são apaixonados, preocupados, comprometidos.
Esse é um capital que o país tem e não pode ser desperdiçado. Outra questão
interessante é que o professor tem desejo de aprender e vontade de se
comprometer com sua aprendizagem. Eu conheço poucos em outros países que não
têm dinheiro e mesmo assim se reúnem em grupo para comprar um livro e aprender
conjuntamente. Isso é maravilhoso.
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