Boa noite meus caros leitores:
Trago para vocês este artigo de Anísio Teixeira de 1956 corrigido ortograficamente nas normas da nova gramática da língua portuguesa.
Boa leitura.
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TEIXEIRA, Anísio. A escola pública universal e gratuita. Revista
Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v.26, n.64, out./dez.
1956. p.3-27.
A ESCOLA PÚBLICA, UNIVERSAL E GRATUITA *
ANÍSIO TEIXEIRA
Diretor do I.N.E.P.
No mês de maio último, reuniram-se em Lima, convocados pela
Organização dos Estados Americanos (a antiga União Pan-Americana), os
representantes dos Governos nacionais do nosso continente. Estes representantes
não eram ministros da Fazenda, nem ministros do Exterior. Eram ministros da
Educação. O tema da reunião não era a política exterior nem a política
econômica ou financeira, e sim a política educacional. E em política
educacional, não se debateram os problemas do ensino secundário, nem do ensino
superior; mas, do ensino primário.
A despeito do caráter de que se revestem quase sempre essas
reuniões internacionais, do seu ar tantas vezes irremediavelmente convencional,
os que lá estiveram sentiram, em mais de um momento, que algo de histórico se
processava na evolução política das Américas. O drama de 59 milhões de
analfabetos, inclusive os de idade escolar, da América latina e de outros
tantos milhões de semialfabetizados, em suas escolas primárias de dois e três
anos de estudos e de dois e três turnos por dia letivo, repercutia nos salões
do edifício do Congresso Nacional de Lima, onde se realizou a reunião
interamericana, como um trovejar, talvez ainda distante, mas já suficientemente
audível, da consciência popular dos povos americanos. Dir-se-ia que, despertados
afinal para as suas reivindicações fundamentais, eram os povos do Continente
que convocavam aquele conclave, para a fixação de medidas destinadas a
assegurar-lhes o direito dos direitos: uma escola primária, eficiente e
adequada, para todos.
E por isto mesmo - a despeito das vozes, muito nossas conhecidas,
dos que ainda julgam possível reduzir a educação popular, na América latina, à
mistificação das escolas primárias de tempo parcial e de curtos períodos anuais
- a assembleia decidiu, com a afirmação de princípios da "Declaração de
Lima", por uma escola primária de seis anos de curso e dias
letivos completos.
No mesmo ano, em que os governos americanos, reunidos em assembleia,
fizeram tal declaração histórica, o Estado de São Paulo, isto é, o estado-líder
da federação brasileira, convoca o seu primeiro Congresso de Ensino Primário.
Sabemos que um fato não está ligado a outro. Mas, a coincidência
pode ser tida como significativa: a mesma obscura força, que está movendo a
consciência coletiva, parece haver atuado para a escolha do tema da reunião de
Lima, como para a reunião, no ano passado, do Congresso de Professores
Primários, de Belo Horizonte, e para este Congresso do Ensino Primário, de São
Paulo, ora aqui reunido, em Ribeirão Preto. Presumo que se trata de um sinal,
um grande sinal, de amadurecimento da consciência pública do país.
Por isso estou seguro de que não estamos aqui para discutir, como é
tanto do nosso gosto, a educação dos poucos, a educação dos privilegiados, mas
a educação dos muitos, a educação de todos, a fim de que se abra para o nosso
povo aquela igualdade inicial de oportunidades, condição mesma para a sua
indispensável integração social.
Não se pode ocultar ser algo tardio esse movimento de emancipação
educacional ou de emancipação pela educação.
Desde a segunda metade do século dezenove, quando não antes, as
nações desenvolvidas haviam cuidado da educação universal e gratuita. Cogitando
de realizá-la, agora, em época que, na verdade, já se caracteriza por outras
agudas reivindicações sociais, de mais nítido ou imediato caráter econômico,
corremos o risco de não poder configurar com a necessária clareza os objetivos
da emancipação educacional. É que, no caso, trata-se ainda de algo que já nos
devia ter sido dado, que já há muito fora dado a outros povos, de cujas atuais
aspirações queremos partilhar. Estas novas aspirações, mais fortemente
motivadas pelos imperativos da época, sobrepõem-se às aspirações educacionais e
de certo modo as desfiguram, criando, pela falta de sincronismo, especiais
dificuldades para o seu adequado planejamento.
A relativa ausência de vigor de nossa atual concepção de escola
pública e a aceitação semi-indiferente da escola particular foram e
são, ao meu ver, um dos aspectos dessa desfiguração generalizada de que sofre a
política educacional brasileira, em virtude do anacronismo do nosso movimento
de educação popular.
Como os povos desenvolvidos já não têm hoje (salvo mínimos
pormenores) o problema da criação de um sistema, universal e gratuito, de
escolas públicas, porque o criaram em período anterior, falta-nos, em nosso
irremediável e crônico mimetismo social e político, a ressonância necessária
para um movimento que, nos parecendo e sendo de fato anacrônico, exige de nós a
disciplina difícil de nos representarmos em outra época, que não a atual do
mundo, e de pautarmos os nossos planos, descontando a decalagem histórica com a
necessária originalidade de conceitos e planos, para realizar, hoje, em
condições peculiares outras algo que o mundo realizou em muito mais feliz e
propício instante histórico.
Se nos dermos ao trabalho de voltar atrás e ouvir as vozes dos que
ainda no curso do século dezenove, no mundo, e, entre nós, imediatamente antes
e logo depois da república, definiram (mesmo então com atraso) os objetivos do
movimento de emancipação educacional, ficaremos surpreendidos com a intensidade
do tom de reivindicação social, que caracterizava o movimento. É que a escola
era, na época, a maior e mais clara conquista social. E hoje, o anseio por
outras conquistas, mais pretensiosas e atropeladas, a despeito de não poderem,
em rigor, ser realizadas sem a escola básica, tomaram a frente e
subalternizaram a reivindicação educativa primordial. Tomemos, com efeito, ao
acaso, as expressões de um desses pioneiros continentais da educação popular -
por um conjunto de circunstâncias, o primeiro: Horace Mann. O grande batalhador
da educação pública e universal, nos Estados Unidos, que no continente só
encontra paralelo contemporâneo em Sarmiento, na Argentina, considerava a
"escola pública" - a escola comum para todos - a maior invenção
humana de todos os tempos. E em seu relatório ao Conselho de Educação de
Boston, assim falava, há cento e oito anos (1848):
"Nada, por certo, salvo a educação universal, pode
contrabalançar a tendência à dominação do capital e à servilidade do trabalho.
Se uma classe possui toda a riqueza e toda a educação, enquanto o restante da
sociedade é ignorante e pobre, pouco importa o nome que dermos à relação entre
uns e outros: em verdade e de fato, os segundos serão os dependentes servis e
subjugados dos primeiros. Mas, se a educação for difundida por igual, atrairá
ela, com a mais forte de todas as forças, posses e bens, pois nunca aconteceu e
nunca acontecerá que um corpo de homens inteligentes e práticos venha a se
conservar permanentemente pobre ...
"A educação, portanto, mais do que qualquer outro instrumento
de origem humana, é a grande igualadora das condições entre os homens - a roda
do leme da maquinaria social ... Dá a cada homem a independência e os meios de
resistir ao egoísmo dos outros homens. Faz mais do que desarmar os pobres de
sua hostilidade para com os ricos: impede-os de ser pobres." (*)
Era com este espírito que se pregava a escola pública em 1848. Já
não era o iluminismo ou a "ilustração", filosófico, do século dezoito,
mas todo o utilitarismo de uma doutrina de igualdade social pela
educação. Já não era o puro romantismo individualista, tão vivo ainda, aliás,
por todo o século dezenove, a crer, ainda com Spencer, que o devido ao
indivíduo era só a liberdade, no sentido negativo de não interferência - daí
não ser essencial ou ser até ilícito dar-lhe o Estado educação. . . - mas a
doutrina positiva de que a liberdade sem educação, isto é, sem o poder que
o saber dá, era uma impostura e um logro...
Obrigatória, gratuita e universal, a educação só poderia ser
ministrada pelo Estado. Impossível deixá-la confiada a particulares, pois estes
somente podiam oferecê-la aos que tivessem posses (ou a "protegidos")
e daí operar antes para perpetuar as desigualdades sociais, que para
removê-las. A escola pública, comum a todos, não seria, assim, o instrumento de
benevolência de uma classe dominante, tomada de generosidade ou de medo, mas um
direito do povo, sobretudo das classes trabalhadoras, para que, na ordem
capitalista, o trabalho (não se trata, com efeito, de nenhuma doutrina
socialista, mas do melhor capitalismo) não se conservasse servil, submetido e
degradado, mas, igual ao capital na consciência de suas reivindicações e dos
seus direitos.
A escola pública universal e gratuita não é doutrina especificamente
socialista, como não é socialista a doutrina dos sindicatos e do direito de
organização dos trabalhadores, antes são estes os pontos fundamentais por que
se afirmou e possivelmente ainda se afirma a viabilidade do capitalismo ou o
remédio e o freio para os desvios que o tornariam intolerável.
A sobrevivência do capitalismo, em grande parte do mundo, não se
explica senão por estes dois recursos ou instrumentos de defesa contra a
desigualdade excessiva que o capitalismo provocaria e provoca, sempre que
faltem ao povo escola pública e sindicato livre.
Por que, então, faltou e falta ao Brasil a consciência precisa de
que, antes de qualquer outra reivindicação, cabe-lhe reivindicar a escola
pública, universal, gratuita e eficiente, e o sindicato, livre e autônomo?
Porque, aparentemente, lhe parece bastar a simulação educacional de escolas
de faz-de-conta e os sindicatos de cabresto, que lhe têm dado, como
altíssimo favor de deuses a pobres mortais, governos de despotismo mais ou
menos "esclarecido" ou ditaduras falhadas?
Estou em que uma das razões é o anacronismo a que me referi.
Reivindicações sociais, para que a escola iria preparar o povo, amadureceram e
estão sendo quiçá atropeladamente satisfeitas, com ou sem fraude aparente, em
face da aceleração do processo histórico, impedindo-nos de ver, com a
necessária exatidão, quanto nos faltam ainda de reivindicações anteriores e
condicionadoras, não satisfeitas no devido tempo e, por isto mesmo, mais
difícil ainda de apreciar e avaliar exata ou adequadamente.
Além da dificuldade inerente ao caráter preparatório ou de
"preliminar" condicionante, próprio das reivindicações educacionais,
temos a dificuldade do anacronismo que elas ora arrastam consigo e estamos a
focalizar, com a sobrecarga, ainda mais grave, de dificuldades específicas
decorrentes da aceleração do processo histórico, geral, aceleração sempre mais
propícia a reivindicações consumatórias e finalistas, do que a
reivindicações preliminares e instrumentais, como são as de educação.
Por todos esses motivos forçoso é reconhecer que há uma certa perda
de contôrno nas mais legítimas reivindicações educacionais, adquirindo o
processo de nossa expansão escolar o caráter tumultuário de reivindicações
sobretudo de vantagens e privilégios, o que me tem levado a considerá-lo mais
como um movimento de dissolução do que de expansão. Foi, com efeito, essa
desfiguração da natureza da reivindicação educacional que elevou a matrícula da
escola primária, sem lhe dar prédios nem aparelhamento, que multiplicou os
ginásios, sem lhes dar professores, e que faz brotar do papel até escolas
superiores e universidades, com mais facilidade do que brotam cogumelos nos
recantos mais sombrios e úmidos das florestas...
Não faltam, entretanto, os que estadeiam certo orgulho ferido ou
afetam mesmo um sorriso superior, ao ouvirem aqueles dentre nós que se levantam
para afirmar que uma tal expansão não é expansão, mas dissolução... Somos
chamados de pessimistas, convocando-nos os nossos Pangloss a ver que o
Brasil progride por todos os poros e que o congestionamento, a confusão, a
redução dos horários e a falta de aproveitamento nas escolas são outras tantas
demonstrações desse progresso.
Mas, ao lado deles, já são numerosas as vozes que se erguem,
apreensivas e graves. A verdade é que já se faz difícil ocultar a
descaracterização do nosso movimento educacional. Pode-se expandir, pelo
simples aumento de participantes, um espetáculo, um ato recreativo, em rigor,
algo de consumatório, mas, não se pode expandir, somente pelo aumento de
participantes um processo, temporal e espacial, longo e complexo de preparo
individual, como é o educativo. E o que vimos fazendo é, em grande parte, a
expansão do corpo de participantes, com o congestionamento da matrícula, a
redução de horários, a improvisação de escolas de toda ordem, sem as condições
mínimas necessárias de funcionamento. Tudo isto seria já gravíssimo. Mas, pior
do que tudo está a confusão gerada pela aparente expansão, tumultuária, levando
o povo a crer que a educação não é um processo de cultivo de cada indivíduo,
mas um privilégio, que se adquire pela participação em certa rotina formalista,
concretizada no ritual aligeirado de nossas escolas. Está claro que tal
conceito de escola não é explícito, mas decorre do que fazemos. Se podemos
desdobrar, tresdobrar e até elevar a quatro os turnos das escolas primárias, se
autorizamos ginásios e escolas superiores sem professores nem aparelhamento, -
é que a escola é uma formalidade, que até se pode dispensar, como
se dispensam, na processualística judiciária, certas condições de pura forma.
Não é difícil demonstrar que nem sempre assim procedemos, nem
sempre assim pensamos. Em verdade, os nossos educadores do início do período
republicano revelavam uma adequada consonância com os educadores de todo o
mundo, no conceituar a educação e no caracterizar o movimento de educação
popular, que então se iniciava no país, com o advento da república.
Não posso fugir de citar aqui alguns paulistas, cujas palavras
parecem de verdadeiros êmulos dos Mann, Sarmiento e Varela, que, mais felizes,
lograram realizar em suas nações, na época própria, muito do que pregaram.
Retiro as citações de discursos e relatórios feitos todos antes do
início deste século, ainda no fervor republicano da década última do século
dezenove.
Caetano de Campos, Cesário Mota, Gabriel Prestes (para só citar
paulistas) aqui irão nos revelar como era viva e lúcida e quente a convicção
democrática da função da escola, na república e em seus primórdios.
"A democratização do poder restituiu ao povo uma tal soma de
autonomia, que em todos os ramos de administração é hoje indispensável
consultar e satisfazer suas necessidades. Já que a revolução entregou ao povo a
direção de si mesmo, nada é mais urgente do que cultivar-lhe o espírito,
dar-lhe a elevação moral de que êle precisa, formar-lhe o caráter, para que
saiba querer.
“Dantes pagava a nação os professores dos príncipes sob o pretexto
de que estes careciam duma instrução fora do comum para saber dirigi-Ia”. Hoje
o príncipe é o povo, e urge que êle alcance o "self-government"
- pois só pela convicção científica pode ser levado, desde que não há que zelar
o interesse de uma família privilegiada.
"A instrução do povo é, portanto, sua maior necessidade.
Para o Governo, educar o povo é um dever e um interesse:
dever, porque a gerência dos dinheiros públicos acarreta a obrigação de formar
escolas; interesse, porque só é independente quem tem o espírito culto, e a
educação cria, avigora e mantém a posse da liberdade.
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“É óbvio que ninguém tolherá aos cidadãos o direito de abrir
escolas particulares”. Estas não serão, porém, em número suficiente para a
população, e nem acessíveis para a grande massa do proletariado.
"Demais, com a exigência do ensino moderno, tais instituições,
quando mesmo bem fornidas de um material escolar suficiente, pesarão sobre a bolsa
do particular de modo tal que, sem remuneração, não poderão ter alunos.
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"Bastaria apontar a história do Brasil monárquico para saber
quão improgressiva mostrou-se até hoje a família brasileira. Entre a escola
primária - irrisória e condenável como era, e já eu disse ao princípio - entre
a "escola régia" e a Academia, nenhuma educação dava o Governo ao
povo. Só os colégios particulares forneciam, aos que podiam pagar, um preparo
literário, que visava a matrícula nos cursos superiores.
“Não era por certo com a gramática ensinada desde a primeira idade,
e o latim, decorado até à Academia, que o brasileiro poderia conhecer as leis
da natureza, nem saber cultivar o solo, nem envolver-se nas indústrias e nas
artes”.
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"Todos nós sabemos o que valiam tais estudos, em que a
gramática, o latim, a filosofia... de Barbe, a retórica eram "magna
pars". Homens que mal sabiam ler e escrever - em pequena percentagem - e
doutores: eis a única coisa que se podia ser no Brasil." (*)
E três anos depois, em discurso na inauguração da Escola Normal da
Praça da República:
“A República foi, pois, a síntese da última fase da nossa
civilização”.
"Proclamada a nova forma de governo, fez-se mister realizá-la
em toda sua integridade. A primeira coisa, entretanto, que desde logo feriu os
olhos deslumbrados dos que se acharam de passe do novo regime, foi que, com ele,
as necessidades da democracia se aumentaram. O que era delegação no antigo
sistema, é ação direta no novo; as inculpações, que outrora se faziam ao governo,
recaem agora sobre o próprio povo; as aptidões requeridas nos seus homens, é ele
quem as deve ter porque é ele quem tem de governar, é ele quem tem de
dirigir os seus destinos.
"À semelhança do capitão a quem se incumbiu a direção do navio
desarvorado em alto-mar, o povo viu-se atônito no momento em que tomou o
domínio de si mesmo. Reconheceu faltarem-lhe aparelhos para as manobras. Desde
logo surgiu forçosa a convicção da necessidade de saber.
"A ideia da instrução então impôs-se.
"É que praticamente ficou demonstrado o acerto, tão conhecido,
do imortal americano: "A democracia sem a instrução será uma comédia,
quando não chegue a ser tragédia". É que a República, sem a educação
inteligente do povo, poderia dar-nos, em vez do governo democrático, o
despotismo das massas, em vez de ordem, a anarquia, em vez da liberdade, a opressão."
(**)
E no mesmo ano de 1894 e na mesma inauguração, como se falasse em
uníssono com Cesário Motta, exclamava Gabriel Prestes, diretor da Escola:
"Que diferença entre essa inépcia dos governos monárquicos e a
sincera solicitude pelo interesse público "nos regimes livres! Enquanto no
Brasil, em um período de relativa calma, a ação governamental só se manifesta
em favor das classes superiores, em França, no meio mesmo da crise
revolucionária, institui-se a primeira escola normal em que milhares de alunos,
segundo o pensamento da Convenção, deviam preparar-se para levar a todos os
cantos da República, os conhecimentos necessários ao cultivo da inteligência.
"Nos Estados Unidos, com um ardor ainda não igualado, todos os
espíritos ilustres fazem consistir na difusão do ensino o programa de todos os
governos, e foi assim que os Washington, os Madison, os Monroe, os Horacios
Mann conseguiram lançar os fundamentos da enormíssima prosperidade
americana." (*)
* * *
E já, em 1911, assim falava Bueno dos Reis Júnior, diretor de
instrução:
“Na época da proclamação da República, bem frisante era o caráter
defeituoso e contraproducente do ensino público primário em nosso Estado, pelo
que uma das primeiras preocupações dos próceres do governo foi promover o
aperfeiçoamento dessa instituição”.
“Espíritos patrióticos e clarividentes”, bem como animados dos mais
vivos desejos de progresso, os dirigentes do povo, cônscios de que não podia
haver aliança possível entre o desenvolvimento de um Estado e o obscurantismo
de sua população, trataram, sem perda de tempo, de resolver o problema da
instrução pública elementar, problema que se lhes afigurava um dos importantes,
senão o mais importante dos seus deveres no momento.
"Efetivamente era urgente dar ao ensino primário uma
organização compatível com as necessidades reclamadas pela educação de um povo,
para o qual acabava de raiar a aurora da democracia." (**)
A coincidência de ideais com os grandes fundadores dos sistemas de
educação pública - universal e gratuita - não podia ser mais completa, nem
faltou jamais aos nossos educadores-líderes a consciência perfeita do que havia
a fazer. E a escola primária e as escolas normais, que então se implantaram,
tinham todas as características das escolas da época, sendo, nas condições
brasileiras, escolas boas e eficientes. Registravam-se crises no ensino
secundário e superior, mas o ensino primário e o normal podiam mais ou menos
suportar honrosos paralelos com o que se fazia em outros países.
Não bastava, porém, que as escolas não fossem más. Era necessário
que fossem bastantes. E aí é que falhou inteiramente a pregação republicana,
que, muito a propósito, acabamos de evocar quanto a São Paulo.
Sem pretendermos ser exaustivos na perquirição de causas,
limitamo-nos sem falseamento a dizer que nos faltou vigor para expandir a
escola a seu tempo, quando os seus padrões eram bons ou razoáveis ainda, e o
processo histórico não havia sofrido os impactos de aceleração dos dias atuais.
Um persistente, visceral sentimento de sociedade dual, de governantes e
governados, impedia que nos déssemos conta da urgência de expandir a educação
do povo, parecendo-nos sempre que bastaria a educação das elites, já sendo
suficientes (senão mais até do que suficientes) as poucas escolas que
mantínhamos para o povo e pelas quais nem ao menos tínhamos o cuidado de
aperfeiçoar como boas amostras ou modelos.
A dificuldade do regime democrático, com efeito, é que ele só pode
ser implantado espontâneamente em situações sociais simples e
homogêneas. Tais eram as situações das comunidades relativamente pequenas da
primeira metade ou dois terços primeiros do século dezenove. As minorias
diretoras se constituíam, então, como que naturalmente, e podiam subsistir
para, de certo modo, impor os seus padrões às maiorias ainda homogêneas, que
lhes aceitavam a liderança.
A simplicidade dessas comunidades, onde todos se conheciam, e a
lentidão de seu progresso material ofereciam as condições necessárias para o esforço
educativo global a ser conduzido pelas minorias condutoras. Tal situação se
configura perfeitamente nos Estados Unidos, com a independência e a república.
Aos líderes, figuras eminentes e, muitas, aristocráticas, coube a tarefa de
orientar, por consentimento de todos, a jovem república.
Quando o desenvolvimento econômico sobreveio, já a estrutura
política estava suficientemente formada para suportar o impacto da desordem
inevitável da aceleração do progresso material. Não direi que haja faltado à
América um período de confusão e de perda de padrões, mas a nação sobreviveu a ele
e pôde retomar a segurança de marcha do período anterior, mais simples e
homogêneo.
Não foi, porém, isto o que sucedeu conosco. Emergimos do período
colonial, sem o sentimento de uma verdadeira luta pela independência,
retardando de quase um século a república e embalando-nos com o reino unido, a
herança de um príncipe e de uma monarquia, a que não faltaram sequer as ilusões
de "império"... Além disto, não chegamos a ser democráticos senão por
mimetismo e reflexos culturais de segunda mão. Na realidade, éramos
autoritários, senão anacronicamente feudais. A estrutura de nossa sociedade não
era igualitária e individualista, mas escravista e dual, fundada, mesmo com
relação à parte livre da sociedade, na teoria de senhores e dependentes.
A república e, com ela, mais plausivelmente, a democracia,
portanto, teriam de abrir caminho, entre nós, mesmo com a "proclamação"
de 15 de novembro de 1889, como um programa revolucionário. Ora, longe de
estarmos preparados para isto e muito pelo contrário, dormitamos em todo o
período monárquico, sem nenhuma consciência profunda de que, dia viria, em que
o povo de tudo havia de participar, sem que para tal o tivéssemos preparado.
A república veio acordar-nos da letargia. Iniciamos, então, uma
pregação, que lembra a pregação da segunda metade do século dezenove nas nações
então em processo de democratização e da qual nos deram uma amostra as citações
que fizemos de educadores paulistas. Tal pregação não chegava, porém, a
convencer sequer a elite, supostamente lúcida. Ela continuava a acreditar,
visceralmente, que o dualismo de estrutura social, a dicotomia de senhores e
súditos, de elite governante e povo dependente e submetido havia de subsistir e
de permitir "a ordem e o progresso", mediante a educação apenas de
uma minoria esclarecida.
Na realidade, ninguém dava crédito aos educadores (nem sequer eles
próprios), na sua pregação de educação para todos. Com efeito, os próprios
educadores tinham sempre o cuidado de dizer que não era possível, economicamente,
a solução do problema educacional brasileiro...
Quando mudanças de estrutura social, da ordem da que nos deviam
trazer a república e com ela a democracia, se processam efetivamente no seio de
um povo, o problema econômico não pode constituir obstáculo à sua real
efetivação. Em tal caso, é a estrutura social que se modifica, em virtude,
exatamente, de modificação da estrutura econômica e política.
Isto se daria, no Brasil, se a democracia e a república não fossem
um movimento de cúpula, com simples modificações na minoria governante,
enriquecida ou empobrecida com a entrada de mais alguns elementos das classes
relativamente pobres. Não obstante a república, conservamos a nossa estrutura
dualista de classe governante e de povo. Seria realmente extravagância que as
classes predominantes chegassem, em sua benevolência, ao ponto de se
sacrificarem para educar o povo brasileiro...
O apostolado dos educadores tinha, assim, algo de contraditório. Eles
próprios admitiam que o sistema de escolas públicas para toda a população era
impossível, e isto mesmo afirmavam, retirando, "avant Ia lettre",
qualquer eficácia política às suas ungidas palavras.
Quando, na década de 20 a 30, começou a amadurecer mais a
consciência política da nação e se iniciou a batalha pelo voto secreto e livre,
esta batalha devia ser acompanhada (uma vez que não precedida) da sua óbvia
contrapartida - a educação do povo.
Não se dirá que lhe tenha faltado completamente este eco, este
reclamo educacional. Foi, com efeito, nesse período que a ideia de estender a
educação a todos começou a medrar. Mas, de que modo?
Até então, os educadores, com a indiferença das classes
governantes, vinham mantendo uma escola pública de cinco anos, seguida de um
curso complementar. Quando os políticos, entretanto, resolveram tomar
conhecimento do problema, forçados pela conjuntura social do Brasil, a primeira
revelação de que não lhes era possível senti-lo em sua integridade, mas,
apenas, sentir a necessidade de escamoteá-lo, patenteou-se na solução proposta:
- reduzir as séries para atingir maior número de alunos. E foi exatamente aqui,
em São Paulo, em 1920, que houve a tentativa da escola primária de dois anos
(!) que, embora combatida e, felizmente, malograda, passou a ser padrão
inspirador de outras simplificações da educação brasileira.
Em 1929, considerando a tentativa de dar educação a todos altamente
significativa e começo de uma consciência democrática, que iria prosseguir nos
esforços de não só dar a todos educação, mas de dá-Ia cada vez melhor e mais
extensa, assim me referi ao movimento, então, ao meu ver, indicativo de um
processo inicial de unificação do povo brasileiro:
“Mas não teve, de logo, o serviço público de educação a presunção
de poder assim se organizar, integralmente”. O paulista, antes de tudo, não é
um visionário. A sua imaginação, adestrada na realidade imediata de sua luta
diária pela vida, não se entusiasma senão pelos ideais praticáveis e exequíveis.
Se um dos traços mais definidos por onde se pode caracterizar a escola paulista
é um traço de idealismo - o de seu vigoroso espírito democrático, - nem por
isso deixou a sua organização de se prender estritamente aos limites da sua
possibilidade de execução.
"Esse idealismo orgânico e construtor fez com que aqui,
primeiro que tudo se buscasse dar a todos a oportunidade de frequentar a
escola. Fosse preciso reduzir os cursos até o mínimo, não importava, contanto
que se estendesse ao máximo o número de paulistas que por ela viessem "a
ser favorecidos." (*)
A realidade, porém, é que o movimento não tinha essa sinceridade
revolucionária. A educação do povo não era problema estrutural da nova
sociedade brasileira em processo de democratização, mas contingência que
se tinha de remediar, de forma mais aparente do que real, e daí permanecer o
nível aceitável como mínimo, na época, até hoje, antes agravado com os turnos e
consequentes reduções de horário.
A estrutura fundamental de uma sociedade dual de senhores e
dependentes, favorecidos e desfavorecidos, continuavam viva e dominante e a
funcionar pacificamente enquanto se pudesse conter o povo em suas
reivindicações políticas de voto livre e secreto.
O voto livre e secreto, a real franquia eleitoral é que viria
destruir o dualismo e tornar a educação não apenas uma liberalidade, mas
necessidade invencível da organização social brasileira.
E a isto é que chegamos, depois de vinte e tantos anos de
vicissitudes políticas de tôda ordem. Conquistou o povo brasileiro, afinal, a
sua emancipação política. Pelo voto livre e secreto, constituem-se os poderes
da república, os poderes dos Estados, os poderes dos municípios. Como chegamos
a essa conquista, sem escolas adequadas para a educação do povo, nem escolas
adequadas para a formação - não de uma classe governante - mas dos múltiplos
quadros médios e superiores de uma democracia de hierarquia ocupacional e não propriamente
social, estamos a sofrer as consequências melancolicamente profetizadas por
todos os teoristas da democracia. Que dizia, com efeito, Cesário Mota em 1894?
"É que praticamente ficou demonstrado o asserto, tão
conhecido, do imortal americano: "A democracia sem a instrução será uma
comédia, quando não chegue a ser tragédia". É que a República, sem a
educação inteligente do povo, poderia dar-nos, em vez do governo democrático, o
despotismo das massas, em vez de ordem, a anarquia, em vez da liberdade, a opressão."
(**)
E não é isso o que vemos? São por acaso poucos os sinais de anarquia,
de confusão, de falta de segurança e de falta de proporção, os sinais, enfim,
de não estarmos preparados para os poderes que adquirimos?
A nossa própria estrutura administrativa de Estado, altamente
centralizada, era perfeitamente lógica na sociedade dual que possuíamos. A
União e os Estados representavam a parcela de poder confiada às "classes
governantes", à minoria ou elite do país, cabendo-lhes a responsabilidade
da vida nacional.
Com a chegada da democracia e a consciência de emancipação política
atingida, afinal, pelo povo brasileiro, temos de repensar todos os nossos
problemas de organização e, entre eles, o de educação.
Como fazê-Io, entretanto, em pleno tumulto econômico e político,
assaltado por oportunidades de toda ordem e com os quadros de direção ocupados
por elementos de uma geração formada sob a influência de negações à democracia
e, por isto mesmo, sem a consciência perfeita das necessidades da nova ordem em
vias de se estabelecer e, ainda mais, sem nenhuma experiência dos esforços
feitos por outros povos para a realização de conquista semelhante?
A realidade é que, com a evolução política iniciada em 20, contra toda
expectativa, tivemos uma paradoxal exaltação da tese de formação de elites. Com
efeito, até a década de 20, tínhamos uma estrutura educacional, de certo modo,
aceitável. Nessa década, talvez sem o querer conscientemente, destruímos a
escola primária com uma falsa teoria de alfabetização, reduzindo-lhe as séries.
E na década seguinte, incentivamos uma educação secundária a partir dos onze
anos, estritamente acadêmica e a ser ministrada, pelos particulares, mediante
concessão do Estado. Destinada a quem? A todo o povo brasileiro? Por certo que
não - pois a estrutura legal votada confiava à iniciativa particular a execução
da reforma. Destinada, sim, a alargar a "classe governante".
A reforma educacional de 31, no ensino secundário, longe de
refletir qualquer ideal democrático, consolida o espírito de nossa organização
dualista de privilegiados e desfavorecidos. A escola secundária seria uma
escola particular, destinada a ampliar a "classe dos privilegiados".
Nenhum dos seus promotores usa a linguagem nem reflete a doutrina dos
educadores democráticos.
A revolução de 30, nascida das inquietações políticas e
democráticas de 20, fez-se logo, como vemos, reacionária e representou nos seus
primeiros quinze anos uma reação contra a democracia. Apagou-se no país toda
ideologia popular e mesmo o próprio senso da república, cabendo, por desgraça
nossa, a geração formada nesse período conduzir a experiência da democracia
renascente em 46.
Essa geração nunca teve experiência sequer da doutrina democrática
e estava inocente da necessidade de educação para o estabelecimento da difusão
de poder, que gera inevitavelmente, a democracia. Se entramos na república
ainda marcados pela experiência escravista, reiniciamos a república, marcados
pela experiência totalitária. A experiência totalitária nada mais é do que o
propósito de manter, pela violência, a estrutura dualista das sociedades
antidemocráticas, antes mantida por consentimento tácito.
Não deixou, assim, de ter a sua lógica a tentativa de conter a
democracia no período de 37 a 45. A sociedade brasileira, pelas suas forças
dominantes, estaria lutando pela permanência de moldes tradicionais ou como
tais aceitos; nem de outra forma se poderia explicar o vigor do Estado Novo e a
sua sobrevivência ainda hoje, em muito do que sucede no país.
Se juntarmos ao vigor do tradicionalismo brasileiro assim renascido
o despreparo da geração hoje dominante no país para a própria ideologia
democrática, teremos as duas razões circunstanciais que tornam tão difícil, em
nossa atual conjuntura, configurar de forma lúcida e convincente o problema da
formação democrática do brasileiro.
Às duas referidas circunstâncias veio ainda somar-se uma terceira e
das mais importantes: a luta contra o comunismo, que se reabriu, logo após a
segunda guerra mundial, durante a qual muitos chegaram a admitir certa
atenuação, descontando-se a coexistência pacífica de dois mundos à parte... O
caráter difuso da luta reaberta e quiçá exacerbada concorre para que dela se
aproveitem certas forças reacionárias do capitalismo e do obscurantismo e se
crie um clima pouco propício à afirmação do sentido revolucionário da
democracia.
Dando a democracia como realizada, facilmente se pode fazer passar
por comunismo todo e qualquer inconformismo em face da situação
existente ou qualquer desejo de mudança ou aperfeiçoamento, operando o
alimentado conflito como um freio contra o desenvolvimento dos mais singelos
postulados democráticos.
Se considerarmos, pois, repetimos, a nossa tradição autoritária e
semifeudal, o movimento reacionário e fascista da década de 30, no qual veio a
se formar a geração atual brasileira, e a posição retrátil e defensiva da
democracia em virtude de sua luta contra o comunismo, após a segunda guerra
mundial, teremos os motivos pelos quais se torna difícil a criação de uma
vigorosa mentalidade democrática no Brasil.
Devido à atitude defensiva da democracia, na fase atual do mundo,
perdemos o sentido de sua filosofia política e, cautelosamente, obscurecemos as
reivindicações populares que ela envolve. E, criada que seja essa atitude,
abrimos o caminho para estreitas e egoísticas reivindicações pessoais.
A educação chega a se tornar, assim, não um campo de esforços pela
realização de um ideal, mas um campo de exploração de vantagens para professores
e alunos.
Salários, redução de horários, facilitação dos estudos e da
obtenção de diplomas; expansão dessa dissolução, para a criação de novas
oportunidades de salários e novas facilidades de ensino - são estes os
problemas, os graves problemas educacionais da hora presente.
Como fazer ressaltar, nesse clima, os autênticos e graves problemas
da escola pública e da escola particular, da educação para o trabalho e da
educação para o parasitismo, da educação "humanística" e da educação
para a eficiência social, da educação para a descoberta e para a ciência e da
educação para as letras, da educação para a produção e da educação para o
consumo? Em ambiente assim confinado, em que tudo já foi feito e o mundo já se
acha construído, tôda a questão será apenas a de ampliar oportunidades já
existentes para maior grupo de gozadores das delícias de nossa civilização.
Reacionarismo e conservadorismo parecem coisas inocentes, mas o seu
preço é sempre algo de espantoso.
* * *
Aceleração do processo histórico sob o impacto do progresso
material, ignorância generalizada em virtude das deficiências e perversões do
processo educativo e clima de conservadorismo senão reacionarismo social está,
assim, a criar, no país, condição particularmente difícil à nossa ordenada
evolução educacional.
A despeito de tudo isso ou, talvez, por isso mesmo, aqui estamos
neste congresso, chamados exatamente para achar um caminho para as nossas
dificuldades de educadores.
O primeiro passo não pode deixar de ser analisar e definir a
situação. E foi o que procuramos fazer, com as considerações que vimos
desenvolvendo ante a vossa atenção generosa.
Se vale alguma coisa a análise que fizemos, temos de descobrir,
baseados nela, os meios de corrigir e reorientar a situação, no sentido de
revigorar certas fôrças e superar ou contrabalançar outras.
Não se pode negar o intenso dinamismo da situação presente do
Brasil. Há um despertar geral das consciências individuais para novas
oportunidades e há progresso material para atender, pelo menos em parte, a
corrida a novos cargos e novas ocupações. Como ingerir nesse processo dinâmico
de mudança o fator educação, de modo que ele ajude, estimule e aperfeiçoe tôda
a transformação, dando-lhe quiçá novos ímpetos e melhor segurança de
desenvolvimento indefinido?
Temos, primeiro que tudo, de restabelecer o verdadeiro conceito de
educação, retirando-lhe todo o aspecto formal, herdado de um conceito de
escolas para o privilégio e, por isto mesmo, regulada apenas pela lei e por toda
a sua parafernália formalística, e caracterizá-la, enfaticamente, como um
processo de cultivo e amadurecimento individual, insuscetível de ser burlado,
pois corresponde a um crescimento orgânico, humano, governado por normas
científicas e técnicas, e não jurídicas, e a ser julgado sempre a posteriori
e não pelo cumprimento formal de condições estabelecidas a priori.
Restabelecida esta maneira de conceituá-la, a educação deixará de
ser o campo de arbitrária regulamentação legal, que no Brasil vem fazendo dela
um objeto de reivindicação imediata, por intermédio do miraculoso
reconhecimento legal ou oficial. O fato de havermos confundido e identificado o
processo educativo com um processo de formalismo legal levou a educação a ser
julgada por normas equivalentes às da processualística judiciária, que é,
essencialmente, um regime de prazos e de formas, fixados, de certo modo, por
convenção.
Ora, se o processo educativo é fixado por convenção, está claro que
a lei pode mudar as convenções... E daí a poder decretar educação é um passo. E
que outra coisa temos feito, desde os repetidos espetáculos maiores dos exames
por decreto, senão dar e tornar a dar este passo?
Toda a nossa educação, hoje, é uma educação por decreto, uma
educação que, para valer, somente precisa ser "legal", isto é,
"oficial" ou "oficializada". É pela lei que a escola
primária de três e quatro turnos é igual à escola primária completa, que
o ginásio particular ou público, sem professores nem condições para funcionar,
é igual aos melhores ginásios do país, que a escola superior improvisada,
sem prédios nem professores, é igual a algumas grandes e sérias escolas
superiores do país.
A primeira modificação é, pois, esta: educação, como agricultura,
como medicina, não é algo que se tem de regular por normas legais e que só
delas dependa, mas processo especializado, profissional, extremamente variado,
em velocidade e em perfeição, e que deve ser aferido por meio de outros
processos especializados, sujeitos ao delicado arbítrio de profissionais e
peritos e não a meras regras legais ou regulamentares, aplicáveis por
funcionários.
A legislação sôbre educação deverá ter as caraterísticas de uma
legislação sôbre a agricultura, a indústria, o tratamento da saúde, etc., isto
é, uma legislação que fixe condições para sua estimulação e difusão, e indique
mesmo processos recomendáveis, mas não pretenda defini-los, pois a educação,
como o cultivo da terra, as técnicas da indústria, os meios de cuidar da saúde
não são assuntos de lei, mas da experiência e da ciência.
Fixado que seja o critério de que a lei não faz, não cria a
educação, desaparecerá a corrida junto aos poderes públicos para equiparar,
reconhecer e oficializar a educação, a fim de que valha ela,
independente de sua eficiência e dos seus resultados, e assim se extinguirá um
dos meios de identificar a educação com a simples aquisição de vantagens e
privilégios, mediante o cumprimento de formalidades.
Quem, porém, julgará os resultados da educação?
- Os próprios professores, pelos processos reconhecidos, pela
experiência e pela ciência, para se fazerem tais avaliações.
Apenas, os seus julgamentos, ao medir e apreciar o processo de
educação elaborado sob a sua direção, nunca poderão ter o valor de sentenças
passadas em julgado em instância suprema. Para valer para terceiros, isto é,
para outras escolas ou para agências empregadoras, sejam privadas ou públicas,
não há como não permitir novo exame, por professores outros que não os que
ensinaram e educaram. Por outras palavras, o diploma escolar é uma presunção de
preparo e não um atestado de preparo. Pode ser aceito ou não, nunca se negando
à instituição que receba o aluno para a continuação dos estudos, ou que o
deseje empregar, ou que o vá autorizar a exercer qualquer profissão, o direito
a reexaminar o candidato e, à luz do que souber confirmar-lhe ou negar-lhe a
competência presumida.
A transferência para a consciência profissional dos professores ou
educadores, do poder de orientar a formação escolar, dentro das autorizações
amplas da lei, não se poderá fazer sem retirar aos diplomas escolares a falsa
liquidez que, hoje, se lhe atribui.
Dir-se-á que o Brasil não tem condições para gozar dessa liberdade,
que os professores não têm competência para decidir sobre o que ensinar nem
como ensinar, etc. Ora, se assim for, pior é que o possam fazer com a sanção
oficial. O que desejamos é dar-lhes liberdade para que o façam do melhor modo
que seja possível e os julguemos depois pelos resultados.
A lei estabelecerá os períodos de educação elementar, complementar,
média ou secundária, e superior, definirá os grandes tipos e espécies de
educação e facultará a sua organizarão, no âmbito oficial e na esfera particular.
Na sua existência real, as escolas constituirão um universo, a ser
julgado por processos de classificação profissional, semelhantes aos que servem
ao julgamento - permitam que o repita - de hospitais e casas de saúde, de
campos e granjas agrícolas, de fábricas e conjuntos industriais, etc., etc.
Não basta, porém, a mudança de conceito da escola para o de
instituição profissional e não apenas legal. É necessário, já agora, em vista
da sua intenção de promover a democracia, que ela seja, no campo da educação
comum, para todos, dominantemente pública.
Não advogamos o monopólio da educação pelo Estado, mas julgamos que
todos têm direito à educação pública, e somente os que o quiserem é que poderão
procurar a educação privada.
Numa sociedade como a nossa, tradicionalmente marcada de profundo
espírito de classe e de privilégio, somente a escola pública será
verdadeiramente democrática e somente ela poderá ter um programa de formação
comum, sem os preconceitos contra certas formas de trabalho essenciais à
democracia.
Na escola pública, como sucede no exército, desaparecerão as
diferenças de classe e todos os brasileiros se encontrarão, para uma formação
comum, igualitária e unificadora, a despeito das separações que vão, depois,
ocorrer.
Exatamente porque a sociedade é de classes é que se faz ainda mais
necessário que elas se encontrem, em algum lugar comum, onde os preconceitos e
as diferenças não sejam levadas em conta e se crie a camaradagem e até a
amizade entre os elementos de uma e outra. Independente da sua qualidade
profissional e técnica, a escola pública tem, assim, mais esta função de
aproximação social e destruição de preconceitos e prevenções. A escola pública
não é invenção socialista nem comunista, mas um daqueles singelos e esquecidos
postulados da sociedade capitalista e democrática do século dezenove.
Já todos estamos vendo que escola pública não é escola cujo
programa e currículo sejam decididos por lei, mas, simplesmente, escola mantida
com recursos públicos.
Por ser mantida com recursos públicos, não irá, porém,
transformar-se em repartição pública e passar a ser gerida, como se fosse uma
qualquer dependência administrativa ou do poder estatal.
Em qualquer das democracias de tipo anglo-saxônico, a diferença
entre professor público e funcionário é perfeitamente marcada. Não somente têm
estatutos diferentes, como têm estilos, maneiras e modos de ser diferentes. Se
me fosse permitida uma comparação, diria que entre o funcionário civil e o
professor público haveria diferença equivalente à que existe entre aquele e o
militar.
Bem sei que também nós admitimos certas diferenças, mas a tendência
vem sendo a de uniformizar todos os servidores do Estado. E esta é uma das
tendências a combater.
Dentro do espírito de escola como instituição profissional, a
escola, quando pública, faz-se uma instituição pública especial, gozando de
autonomia diversa da de qualquer pura e simples repartição oficial, pois a
dirigem e servem profissionais específicos, que são mais profissionais do que
funcionários públicos.
Daí defender eu a administração autônoma das escolas de nível médio
e superior e a administração central das escolas de nível elementar. Somente às
escolas elementares aconselharia a administração central, não, porém, de um
centro remoto, mas, da sede do município, enquanto não podemos chegar à sede
distrital.
Faz-se confusão com o que venho chamando municipalização do
ensino primário. Julgo, em nosso regime constitucional, a educação uma função
dos Estados, sujeitos estes tão-só à lei de bases e diretrizes da União -
espécie de constituição para a educação em todo o país. A administração local,
que propugno para as escolas elementares, e a autonomia das escolas médias não
importam em nenhuma subordinação do ensino propriamente a qualquer soberania
municipal, mas em um plano de cada Estado de confiar a administração das
escolas a órgãos locais, subordinados estes ao Estado pela formação do
magistério, que a ele Estado competiria, privativamente, e pelo custeio das
escolas, pois, a quota-aluno com que contribuiria o Estado seria, em quase
todos os casos, superior à quota-aluno municipal, importando isto, sem dúvida,
na possibilidade de controle que os Estados julgassem necessário.
O Estado é que confiaria a órgãos locais, previstos na lei
orgânica dos municípios ou numa lei orgânica de educação, a administração, -
por motivos de expediente, pois o órgão local seria mais eficiente do que o
órgão estadual, distante na gerência da escola; por motivos sociais, pois assim
melhor se caracterizaria a natureza local da instituição e o seu enraizamento
na cultura local; e ainda por motivos econômicos, pois isto permitiria a
adaptação da escola aos níveis econômicos locais.
A nova escola pública, de administração municipal, ou autônoma, não
deixaria, assim, de ser estadual - pelo professor, formado e licenciado
pelo Estado, embora nomeado pelo órgão local, pela assistência técnica e pelo
livro didático e material de ensino, elaborados sem dúvida no âmbito do Estado
em seu conjunto. E, permitam-me ainda dizer, não deixaria de ser federal
- pela obediência à lei nacional de bases e diretrizes e, ainda, talvez, pelo
auxílio financeiro e a assistência técnica que os órgãos federais lhe viessem a
prestar.
Julgo que a nossa maquinaria administrativa centralizada para a
direção das escolas é um dos resíduos do período dualístico de nossa sociedade,
sempre a julgar que somente certa elite seria capaz de governar e dirigir,
elite esta que se entrincheiraria tanto nos quadros estaduais como nos
federais.
De qualquer modo, porém, o plano que propugno, em nenhum ou por
nenhum dos seus aspectos, impede que as possíveis elites estaduais ou federais
continuem a exercer a sua influência, praza aos céus que salutar!
Com tais alterações, aparentemente simples, mas do mais largo alcance,
desejaríamos, como acentuamos, fortalecer algumas tendências e corrigir outras
da nossa expansão educacional.
a) Fortaleceríamos o desejo de oportunidades educacionais,
facultando a organização de escolas na medida das forças locais, a serem julgadas
pelo seu mérito, mediante sistema de "classificação" a posteriori.
b) Libertaríamos, assim, a escola das rígidas prisões legais que
convidam à fraude, e estimularíamos as iniciativas honestas e sérias,
estabelecendo uma ampla equivalência entre os diversos tipos de escola, baseada
no número de anos de estudos e nos resultados obtidos ou eficiência
demonstrada, mais no sentido de amadurecimento intelectual e social do que de
identidade das informações adquiridas.
c) Incentivaríamos o estudo da educação, nos seus múltiplos e
diversos aspectos, já que não haveria modelos uniformes e rígidos a seguir e
teriam todos liberdade e responsabilidade no que viessem a empreender e
efetivamente realizar.
d) Abandonariam diretores, professores e alunos a corrida por
vantagens pessoais de toda ordem, pois o ensino deixaria de ser oportunidade
para exercício de habilidades e simulações para se tornar um trabalho,
interessante por certo, mas sujeito às leis severas do seu próprio sucesso.
e) Ajustaríamos as escolas às condições locais, sendo de esperar
que se transformassem em motivo de emulação e orgulho das comunidades a que
servem e que, a seu turno, lhes dariam apoio estimulante.
f) Pela descentralização e autonomia, daríamos meios eficazes para
a administração mais eficiente das escolas e responsabilidade dignificante a
diretores e professores, que não estariam trabalhando em obediência a ordens
distantes, mas sob a inspiração dos seus próprios estudos e competência
profissional.
g) A flexibilidade necessariamente impressa ao processo educativo
melhor o aparelharia para atender às diferenças individuais, inclusive quanto à
marcha da aprendizagem dos alunos e à verificação dessa aprendizagem.
h) Os órgãos estaduais e federais, libertos dos deveres de
administração das escolas, poderiam entregar-se ao estudo dos sistemas
escolares e dar às escolas melhor assistência técnica, atuando para a sua
homogeneidade pela difusão dos melhores métodos e objetivos, cuja adoção
promovessem por persuasão e consentimento, e não por imposição.
Em suma, as medidas aqui sugeridas e outras, que possam ser
propostas, se destinariam a aumentar e até fortalecer, mais ainda, se possível,
o ímpeto atual da expansão escolar brasileira, impedindo-a, ademais, de se
fazer um movimento de dissolução, com o retirar-lhe toda e qualquer vantagem
ilegítima ou antecipadamente garantida, submetendo todo o processo educativo ao
teste final dos resultados.
A lei de bases e diretrizes que o Congresso Nacional terá de votar
fixaria as linhas gerais do sistema escolar brasileiro, contínuo e público, com
uma escola primária de seis anos, uma escola média de sete ou cinco, conforme
incorporasse, ou não, os dois anos complementares da escola primária de seis, o
colégio universitário e o ensino superior. E, concomitantemente, se cuidaria de
evitar que continuassem estanques ou sem oportunidades de equivalência e
transferências as escolas de grau médio com caráter especializado,
profissional, qualquer que fosse.
Com a administração local, ou autônoma, por instituição, quando
médias ou superiores - as escolas do Brasil seriam um grande universo
diversificado e em permanente experimentação, podendo sempre melhorar,
vivificado pela liberdade e responsabilidade de cada pequeno sistema local ou
de cada instituição, e a buscar, pela assistência técnica do Estado e da União,
atingir gradualmente a unidade de objetivos e a equivalência de nível, sem
perda das características locais, pela própria qualidade do ensino ministrado.
Abusos e erros, por certo, continuariam a existir, mas sem o horror
da assegurada sanção oficial e, por serem de responsabilidade pessoal e local,
sempre limitados ou não generalizados e com a possibilidade de se corrigirem,
senão espontaneamente, pelo menos graças ao jogo de influências exercidas pela
assistência técnica, sobre os serviços locais de educação.
Resta o mais difícil: os recursos financeiros.
Criada a consciência da necessidade de educação, esclarecido o seu
caráter de reivindicação social por excelência, acredito que não fosse difícil
estabelecer, com as percentagens previstas na Constituição, os fundos de
educação municipais, estaduais e federal. Tais fundos, administrados autonomamente,
iriam dar o mínimo de recursos, que o próprio êxito dos serviços educacionais
faria crescer cada vez mais. (*)
A sua distribuição inteligente iria, de qualquer modo, permitir o
crescimento gradual dos sistemas escolares, transformados nos serviços maiores
das comunidades, contando com o concurso de forças locais, forças estaduais e forças
federais para o seu constante desenvolvimento.
* * *
Não desejo terminar a análise e o apelo que esta palestra encerra
ou significa, sem uma palavra mais direta sobre a escola primária, embora
estivesse ela, explícita ou implicitamente, sempre presente no meu pensamento e
em todas as palavras até aqui proferidas, pois ela é o fundamento, a base da
educação de toda a nação. Dela é que depende o destino ulterior de toda a
cultura de um povo moderno. Se de outras se podem prescindir e a algumas nem
sempre se pode atingir, ninguém dela deve ser excluído, sob qualquer pretexto,
sendo para todos imprescindível. Façamo-la já de todos e para todos.
Em épocas passadas, a cultura de um país podia basear-se em suas
universidades. As civilizações fundadas em elites cultas e povos ignorantes
prescindiram da escola primária. As sociedades constituídas por privilegiados e
multidões subjugadas também sempre prescindiram da cultura popular.
As democracias, porém, sendo regimes de igualdade social e povos
unificados, isto é, com igualdade de direitos individuais e sistema de governo
de sufrágio universal, não podem prescindir de uma sólida educação comum, a ser
dada na escola primária, de currículo completo e dia letivo integral, destinada
a preparar o cidadão nacional e o trabalhador ainda não qualificado e, além
disto, estabelecer a base igualitária de oportunidades, de onde irão partir
todos, sem limitações hereditárias ou quaisquer outras, para os múltiplos e
diversos tipos de educação semiespecializada e especializada, ulteriores à
educação primária.
Nos países economicamente desenvolvidos, até a educação média,
imediatamente posterior à primária, está se fazendo também comum e básica. E a
tanto também nós tendemos e devemos mesmo aspirar.
Por enquanto, porém, apenas podemos pensar na educação primária,
como obrigatória, já estendida, contudo, aos seis anos, o mínimo para uma
civilização que começa a industrializar-se.
A educação comum, para todos, já não pode ficar circunscrita à
alfabetização ou à transmissão mecânica das três técnicas básicas da vida
civilizada - ler, escrever e contar. Já precisa formar tão solidamente quanto
possível, embora em nível elementar, nos seus alunos, hábitos de competência
executiva, ou seja eficiência de ação; hábitos de sociabilidade, ou seja interesse
na companhia de outros, para o trabalho ou o recreio; hábitos de gosto, ou seja
de apreciação da excelência de certas realizações humanas (arte) ; hábitos de
pensamento e reflexão (método intelectual) e sensibilidade de consciência para
os direitos e reclamos seus e de outrem. (*)
Vejam bem que não se insiste na quantidade de informação
(instrução) que a escola primária vá dar ao seu aluno; mas, por outro lado, o
que se lhe pede é muito mais do que isto. Daí, o corolário imperioso: sendo a
escola primária a escola por excelência formadora, sobretudo porque não estamos
em condições de oferecer a tôda a população mais do que ela, está claro que,
entre todas as escolas, a primária, pelo menos, não pode ser de tempo parcial. Somente
escolas destinadas a fornecer informações ou certos limitados treinamentos
mecânicos podem ainda admitir o serem de tempo parcial.
A escola primária, visando, acima de tudo, a formação de hábitos de
trabalho, de convivência social, de reflexão intelectual, de gosto e de
consciência não pode limitar as suas atividades a menos que o dia completo.
Devem e precisam ser de tempo integral para os alunos e servidas por professores
de tempo integral.
Este congresso não se deveria encerrar sem uma solene declaração de
princípios, em que o professorado paulista tomasse sobre os ombros a
responsabilidade de promover a recuperação da escola primária integral para São
Paulo e dar o sinal para a mesma recuperação em todo o país, redefinindo lhe os
objetivos, os métodos e a duração, e traçando o plano para a sua efetivação.
A escola primária de seis (6) anos, em dois ciclos, o elementar de
4 e o complementar de 2, com seis horas mínimas de dia escolar, 240 dias
letivos por ano e professores e alunos de tempo integral, isto é, proibidos de
acumular com a função de ensino qualquer outra ocupação, que não fosse
estritamente correlativa com o seu mister de professor primário, estes seriam
os alvos a atingir, digamos, dentro de cinco anos.
Um alvo suplementar, mas igualmente indispensável, seria o da
formação do magistério, tornando-se obrigatório que, dentro dos cinco anos do
plano, pelo menos um décimo (1/10) do professorado primário tivesse a sua
formação completada com dois anos de estudos, em nível superior. Por outras
palavras, a formação do magistério primário se faria, em duas etapas, a atual
de nível médio, para o início da carreira, e dois anos complementares, de nível,
portanto superior, para a sua continuação em exercício, depois de cinco anos
probatórios. Esses dois anos de estudo se fariam ou em cursos regulares de
férias, ou, pelo afastamento do exercício, dentro dos cinco anos iniciais, em
cursos regulares. De sorte que, tão depressa quanto possível, pudesse o
professorado contar, em cada nove professores de formação média, com um de
formação superior, que, como supervisor, os assistisse e guiasse, nos variados
trabalhos escolares.
Estas, as etapas mínimas a serem conquistadas no plano quinquenal
para a educação primária, que aqui poderia ser apresentado, como o plano de
Ribeirão Preto ou plano de São Paulo.
Não me direis que faltam recursos para tal plano, em um país cujos
aumentos de salários orçam por dezenas de bilhões de cruzeiros. Faltará,
talvez, prioridade para as despesas necessárias, e só isto. Não será, porém,
uma tal prioridade a que deve ser, a que vai ficar definida no Congresso, para
cujos componentes e à margem de cujas deliberações, estou tendo a honra de
falar?
A declaração que aqui se deverá fazer será uma declaração de consciência
profissional, pela qual o magistério primário de São Paulo, desprendendo-se de
reivindicações até agora excessivamente limitadas, afirmará à Nação e ao
Estado, em toda a sua amplitude, as condições educacionais em que poderá
trabalhar, para conduzir a maior tarefa que um povo, uma nação, pode distribuir
a um corpo de seus servidores: a da formação básica do brasileiro, para a sua
grande aventura social de construção do Brasil.
Não desmerecemos nenhum dos esforços para a educação ulterior à
primária, mas reivindicamos a prioridade número um, à escola de que dependem todas
as escolas - a escola primária.
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