sexta-feira, 24 de julho de 2015

Bela menina

     Hoje trago este conto de fadas - A Bela e a fera -  recontado por Francisco Adolfo Coelho  pedagogofilólogo e escritor além de auto-didata. Foi uma das figuras mais importantes da intelectualidade portuguesa dos finais do século XIX.


Bela-Menina

Adolfo Coelho

    Era uma vez um homem; vivia numa cidade e trazia navegações no mar, e depois foi ele e deu em decadência por se lhe perderem as navegações. Ele teve o seu pesar e não podia viver com aquela decência com que vivia no povoado e tinha umas terrinhas na aldeia e disse para a mulher e para as filhas: 
-Não temos remédio senão irmos para as nossas terrinhas; se vivemos com menos decência que até aqui, somos pregoados dos nossos inimigos.

    A mulher e uma filha aceitaram, mas as outras duas filhas começaram a chorar muito. E depois foram. A que tinha ido de sua vontade era a mais nova e chamava-se Bela- Menina; cantava muito e era a que cozinhava e ia buscar erva para o gado, de pés descalços; as outras metiam-se no quarto e não faziam senão chorar. Quando o pai ia para alguma parte, as mais velhas sempre pediam que lhes trouxesse alguma coisa e a mais nova não lhe pedia nada. Vai nisto, veio-lhe uma carta de um amigo dizendo que as navegações que vinham aí, que tiveram notícia e que fosse vê-las.

    O homem caminhou mais um criado saber das tais navegações; quando saiu, disseram as suas filhas mais velhas que, se as navegações fossem as dele, lhes levasse algumas coisas que lhe declararam. E ele disse à mais nova:
 - Ora todas me pedem que lhes traga alguma coisa. Só tu não me pedes nada? -Vou pedir-lhe também uma coisa; onde o meu pai vir o mais belo jardim, traga-me a mais bela flor que lá houver. O pai foi e chegou a uma cidade e reconheceu que as navegações não eram dele e foi-se embora com a bolsa vazia. Chegou a um monte e anoiteceu-lhe; ele viu uma luz e dirigiu-se para ela a ver se encontrava quem o acolhesse. Chegou lá e viu uma casa grande e estropeou à porta; não lhe falaram; tornou a estropear; não lhe falaram. E disse ao moço:
 -Vai aí pelo portal de baixo ver se vês alguém.
 O moço foi e voltou: 
- Veio lá muitas luzes dentro e cavalos a comer e penso para lhe botar; mas não veio ninguém.

    Então o homem mandou meter o cavalo na cavalariça e entraram na cozinha. Acharam lá que comer e, como a fome não era pequena, foram comendo muito. E nisto aí vem por essa casa adiante uma coisa fazendo um grande ruído, assim como umas cadeias que vinham a rastos pela casa adiante e depois chegou ao pé deles um bicho de rastos e disse-lhes:
 -Boas-noites.
 Eles puseram-se a pé com medo e disseram-lhe:
 -Nós viemos aqui por não acharmos abrigo nem que comer noutra parte; mas não vimos fazer mal a ninguém. 
-Deixai-vos estar e comei.
 Demorou-se um pouco o bicho e disse-lhes: 
-Ora ide-vos deitar que eu também vou para o meu curral. E começou-se a arrastar pela cozinha e foi. Ao outro dia o homem foi ao jardim, que era o mais belo que tinha visto, e disse:
 - Já que não posso levar nada para as minhas filhas mais velhas, quero ao menos levar a flor para a Bela-Menina... Estava a cortar a flor e nisto o bicho salta-lhe: 
-Ah, ladrão! Depois de eu te acolher em minha casa, tu vens-me colher o meu sustento, que eu não me sustento senão em rosas. E ele disse:
 - Eu fiz mal, fiz; mas eu tenho lá uma filha que me pediu que lhe levasse a mais bela flor que eu visse na viagem, e não podendo levar nada às outras filhas, queria ao menos levar a flor; mas se a quereis ela aí fica.- Não, levai-a e se me trouxerdes cá essa filha, ficais ricos. O homem caminhou e chegou a casa muito apaixonado por não trazer nada às outras filhas e não achar as navegações e pegou na flor e deu-a à Bela-Menina.

   A filha, assim que viu a flor, disse:
 - Oh, que bela flor! Onde a achou, meu pai?
 O pai contou-lhe o que vira e a filha disse:
 - Ó meu pai, eu quero ir ver. 
 - Olha que o bicho fala e disse também que te queria ver.
 - Pois vamos. E foram. A filha, assim que viu o tal bicho, disse:
 - Ó pai, eu quero cá ficar com este bicho, que ele é muito bonito.
 O pai teve a sua pena, mas deixou-a. Passado algum tempo, ela disse:
 - Ó meu bichinho, tu não me deixas ir ver os meus pais?  E ele disse-lhe:
 - Não, tu não vais lá por ora; teu pai vem cá. O pai veio e disse ao bicho:
 - Eu queria levar a rapariga. 
 - Não me leves daqui a rapariga, senão eu morro e tu vai ali àquela porta e abre-a e leva dali a riqueza que tu quiseres e casa as tuas filhas. O homem que mais quis?

   Um dia o bicho disse à Bela-Menina: 
 - A tua irmã mais velha lá vem de se receber; tu queres vê-la? - Quero. - Vai ali e abre aquela porta. Ela foi e viu a irmã com o noivo e os pais.
 - Agora deixa-me ir ver o meu cunhado. 
 - Eu deixava, deixava; mas tu não tornas. 
 - Torno; dá-me só três dias que eu em um dia e meio chego lá e torno cá noutro dia e meio.  - Se não vieres nestes três dias, quando voltares achas-me morto. 
Ela foi; no fim dos três dias ela veio, mas tardou mais um pouquito que os três dias; ela foi ao jardim e viu-o deitado como morto. Chegou ao pé dele,
 - Ai meu bichinho! E começou a chorar. Ele caiu e ela disse:
 - Coitadinho, está morto; vou dar-lhe um beijinho. 
E deu-lhe um beijo, mas o bicho fez-se um belo rapaz. Era um príncipe encantado que ali estava e que casou com ela.

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